terça-feira, 28 de outubro de 2014

MEIMOA

MEIMOA


Sob um céu ensimesmado por um não sei quê de angústia e renúncia, a pequena aldeia da Meimoa, agarrada à encosta de São Domingos, revelou-se entrecortada por um sem número de quelhas e vielas de corpo xistoso mal ajaezado e telhados parecendo um mar revolto de telhas e empenas, mostrando, ufana, os beirais em granito aparelhado onde, nas tardes solarengas, homens e mulheres, acocorados, espreitam o declinar do sol no pináculo branco-sujo da Estrela. Os habitantes, estáticos, olham o mundo de longe só acreditando naquilo que fazem. Elas guardam a vida e o espaço da casa, eles são os guardiões severos do chão da idade e do seu gado. Afáveis e risonhos, aparentam tranquilidade por fora mas dizem palavras tão angustiadas e têm o espírito tão oprimido que o mais certo é o fado lhes ter cagádo, macerado e desengranzado a existência, ou ter-lhes rogado peçonha.


João Filipe in “Velhos são os trapos”

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