AS AVÓS DA MINHA TERRA
… Por norma a ti Ana passava os dias ao lume, salvo raros e
esparsos dias no pino do verão que, vinha até à soleira da porta, então
sentava-se numa banca de cortiça e deliciava-se com os últimos afagos do
entardecer. Esse dia não sendo o caso, entrei e divisei-a sentada na seu
tropeço de meia-lua à esquerda da lareira.
- Boa tarde ti Ana. Posso-me sentar?
Perguntei, após ter franqueado a porta
Serena, de queixo decaído e boca escancarada, arregalou os
olhos numa tentativa de me ver melhor, de me sentir melhor, de me observar
melhor. Até que por fim lentamente, as suas pálpebras, se baixaram. Já não
tinha interesse, em distinguir a realidade do sonho, deixou-se examinar sem
impaciência pelos meus olhos inquietos, inerte, tranquila, e ausente.
O universo forma um todo estranho hermético onde ela
alienada do mundo já não tinha lugar, estava só…, só e em presença do mistério.
O seu olhar ficou parado nos mil e um diabinhos, formados nas labaredas e que
rapidamente se sumiam invadindo-lhe a casa. No entanto sabia se continuasse
imóvel, eles fugiriam para o exterior e ela estaria protegida, porque todos os
dias antes de atar o cabelo escondia dois crucifixos, um de cada lado da cabeça
por entre o cabelo e no cruito uma imagem, do Sagrado Coração de Jesus
- É melhor ires para casa, - Disse-me ela – os demónios
costumam sair ao entardecer à procura das almas errantes se não encontrarem
nenhuma, estoiram com os primeiros raios da aurora, mas se encontrarem alguma
alma perdida, chupam-lhe o sangue para se alimentarem.
- Adeus Ti Ana. – Disse.
Com os ouvidos atordoados, e azoinados de afogado, o som que
lhe chegava era longínquo e intermitente enquanto os olhos, pequeninos de água,
escondidos por detrás das sobrancelhas, se iam levantando, esperando que eu me
sumisse …
Extrato da obra “as avós da minha terra”
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