segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

PETRUS LATINUS E AS SUAS CIRCUNSTÂNCIAS.



… Por modo do avançado da idade a ti Ana passava a maior parte dos dias ao lume, salvo muito poucos no pino do verão que vinha até à soleira da porta e sentava--se na sua banca de cortiça e deliciava-se com os últimos afagos do sol que molemente se sumia no horizonte, não sendo o caso esse dia, entrei e divisei a ti Ana sentada na seu tropeço de meia-lua à esquerda da lareira.
- Boa tarde Ti Ana. Dá-me licença que me sente a seu lado?
Perguntei, após ter franqueado a porta
Então ela, de queixo descaído e boca escancarada, arregalou as pálpebras numa tentativa de me ver melhor, de me sentir melhor, de me observar melhor. Até que por fim as suas pálpebras, se baixaram. Já não tinha interesse, em distinguir a realidade do sonho, inerte, tranquila e ausente, deixou-se examinar sem impaciência pelos meus olhos inquietos.
O universo forma um todo estranho hermético onde ela, alienada do mundo já não tinha lugar, estava só…, só em presença do mistério. Entretanto o seu olhar ficava parado nos mil e um diabinhos, formados nas labaredas e que estranhamente se iam desprendendo das chamas e lhe invadiam a casa, sabendo ela, se continuasse imóvel, eles fugiriam para o exterior e estaria protegida, porque todos os dias antes de atar o cabelo escondia dois crucifixos, um de cada lado da cabeça por entre o cabelo e uma imagem no cocuruto do Sagrado Coração de Jesus
- É melhor ires para casa Petrus, - Disse-me ela – os demónios costumam sair ao entardecer á procura das almas errantes se não encontrarem nenhuma, estoiram com o calor mas se encontrarem alguma perdida, chupam-lhe o sangue para se alimentarem.
- Fique com Deus Ti Ana. – Disse.
Com os ouvidos atordoados, e azoinados de afogada, o som chegava-lhe aos ouvidos intermitente e os olhos, pequeninos de água, escondidos por detrás das sobrancelhas, levantam-se, esperando que eu me sumisse …



Extrato da obra “Petrus Latinus e as suas circunstâncias.”

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