O BOM FANTASMA
Chamo-me Petrus, “Lusitanus”,
contemporâneo de Jesus “Nazarenus” aquele que muitos de vós acreditam ser o
Salvador. Sou filho de Nix e de Gaia e neto de Kaos . As razões da minha já tão
longa existência? Contentai-vos por agora, se vos disser que não ando por meu
mal e que não ambulo para vos fazer mal, vagueio por um capricho divino.
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Acamado, o Ti Manel continuava
isolado e fechado às sete chaves na sua casa sem janelas, ouvindo-se na rua os
vagados sincopados da sua respiração, entremeado de um arrazoado delirante e
inexpressivo. Nunca tinha ousado entrar naquela casa. Ponderei a minha decisão
quando o solilóquio se tornou deveras aflitivo e febril, considerando o pior,
entrei. O negro, negro do cubículo toldou-me a minha supervisão de fantasma,
permanecendo alguns minutos encostado à parede até me aclimatar ao escuro.
Pouco a pouco identifiquei á direita; uma mesa quadrada de sensivelmente um
metro de lado protegida por um oleado de desenhos quadriculares e de várias
cores fixo ao tampo por brochas douradas junto à bainha e, em cima, uma marmita
do resto do jantar talvez deixado pelas meninas do lar, à esquerda e encostada
à parede uma tarimba onde se lobrigava um rosto qual cabeça de abutre; careca
de uma cor enfezada e macilenta, os olhos embatucados nas órbitas escuras e
descomunais, o nariz adunco e em forma de foice, poisava na boca desdentada
sobre um queixo retraído.
Quando se apercebeu da minha
presença endireitou o busto seco de pássaro, esgargalou os olhos abrindo
desmesuradamente a boca e voltando a cair na enxerga, como possuído pelo
demónio encetou uma serie de urros em tons inusitadas e incomuns, tentei
acalma-lo, parecia possesso. Apressadamente, retirei-me e saí.
Minutos depois os vizinhos
alvoroçados pela gritaria e temendo pela saúde do ti Manel, arrombaram a porta
e entraram, direccionando a candeia para o doente postado contra a parede
branquinho como a cal dizendo ter visto um intruso que o queria matar. Tentaram
aquieta-lo, mas ele ansioso e febril repetia engasulado:
- É o Demónio. Os Porco-sujo…
(repetia olhando em todas as direcções) Ajudem-me.
Quantas não são as vezes que os
seres humanos ou não, agem por bem, no intuito de ajudar e são desavindos e mal
interpretados. Porque será que um desconhecido terá que à partida ser mau? Porque
é incomum? E tu? Sim tu aí recostado no sofá que apoia tudo e todos e se
compadece de tudo o que passa na televisão. Será que só estais habituados a uma
lógica cíclica e regular das coisas? Talvez. Sois infelizes mas acomodados.
João Filipe ln “As Avós da Minha
Terra”
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