CÁGADOS
A alcunha por que hoje são conhecidos os habitantes da Benquerença (concelho de Penamacor), teve origem num conflito existente entre o pároco da aldeia, padre César Augusto de Oliveira e Silva Godinho e o plutocrata António Correia em 1911, desencadeado por uma revolta popular, dia do Sagrado Coração de Jesus, quando efectuaram a procissão pelas ruas da aldeia sendo estas proibidas pelo Governo Provisório, que tinha então decretado a expulsão dos jesuítas, proibição das procissões fora dos perímetros das igrejas, estatização dos bens do clero, e proibição do uso público de vestes religiosas.
A explicação dos factos relatados pelo Pároco em 1913:
«No último dia do ano de 1913 dera-se na Benquerença um motim popular.
Celebrava-se a festa tradicional do Sagrado Coração de Jesus, combinada com poucos dias de antecedência para aquele dia por ser voz corrente que fechavam as igrejas.
Na véspera fora o Padre com os Mordomos à administração do concelho saber se poderia fazer-se a procissão onde foi notificado pelo secretário de que o patrono daquela festa, havia sido o santo mais excomungado pela Republica (não havendo licença para as suas procissões), resolveu fazer a solenidade só dentro da Igreja sem falar no caso ao Sr. Administrador, que escusaria de o apelidar de jesuíta ou reaccionário.
Ao outro dia porém o povo amotinado, desobedeceu às minhas ordens repetidas tanto no altar como no púlpito, e saiu com a procissão apesar dos meus esforços dos conter e dissuadir.
Nisto apareceu-me na sacristia um vogal da comissão paroquial que já há tempo me andava provocando, tornando-me responsável com maneiras insolentes por tudo o que se estava passando.
Prevenindo qualquer cilada mandei imediatamente ao Sr. Administrador do concelho o seguinte oficio a informa-lo do que se tinha passado.
Exmo. Sr. Administrador do Concelho de Penamacor.
Julgo do meu dever dar conhecimento a V. Exa. de uma alteração da ordem pública ocorrida hoje nesta freguesia e dos seus verdadeiros provocadores.
Fazendo aqui anualmente a festa do Sagrado Coração de Jesus resolveu-se em vista de não se concederem licenças para tais procissões, fazer-se só a festa dentro da Igreja, se o regedor não tomasse a responsabilidade da procissão visto serem eles quem agora regularizava o culto externo das freguesias pela última portaria do ministério da justiça.
Consultado pois pelos mordomos, o regedor respondeu que não se importava que o fizessem ou deixassem de fazer, mas que não tomava a responsabilidade, eu que muito menos a podia tomar avisei o povo na Igreja por duas ou três vezes que a procissão não saía por não haver licença
Já retirado para a sacristia, senti a agitação na Igreja sendo com espanto que vi o povo tentando desacatar às minhas ordens, e às do regedor que cá fora tentava também impedir.
Agarrei-me então aos pendões, tentei fechar as portas da Igreja, fiz com que apeassem algumas imagens dos andores e recolhessem outros para a sacristia, esforcei-me particularmente para que impedissem o movimento (como é testemunha o povo inteiro) e, não conseguindo sufocar o motim, nem aplacar os ânimos retirei-me descoroçoado para a sacristia. Em seguida rompe pela Igreja a dentro o Sr. António Correia com o boné na cabeça e o Santíssimo ainda exposto (excitando mais os ânimos) e vai direito à sacristia tornar-me responsável pelo que acabava de passar-se.
Não o reconhecendo como autoridade toda a gente tem esse senhor pelo mais responsável pela atitude subversiva da povoação e por tudo o que se passou…»
Perante este situação o Padre César apelidou de «cágados» (cujo significado quereria dizer; manhosos ou finórios) o Snr. António Correia e todos os seus acólitos pelo trama, contrariamente aos sentidos porque hoje todos os Benqueridos são apelidados, por ser uma população ribeirinha, e dispor de grandes quantidades de água.
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