quinta-feira, 20 de maio de 2010

Da obra do autor a editar ``Heróis ou semi-deuses de um tempo já sem tempo´´

Iniciaram, com parte do concerto para trompete de J. Haydin, foi de loucos ouvir e sentir aquela «corneta» mágica brunindo as labaredas e rasgando empertigada as trevas acompanhada pelo feitiço enleante do violino e o carpido umas vezes terno, outras visceral e agressivo do saxofone. De costas voltadas e enquadrados nas ruínas de um vetusto e muito respeitável templo considerando as «latinagens» impressas em relevo nas ombreiras graníticas e esboroadas, por certo, ponto de paragem para rezas e orações, de quem nada ou quase nada tinha de alacridades e aconchegos e lhes sobrepujavam canseiras e angústias, e crerem serem estas adversidades salvo-conduto para uma vida extra-terrestre plena de gozo e bem-estar, postaram-se os músicos na penumbra esbatida pelo fulgor imanente e narcótico das chamas, mostrando-se-nos envoltos numa belida diáfona, gasosos e vaporosos parecendo adejar ao som mavioso e compassivo dos instrumentos, caixinhas secretas e melódicas, de inegável perfeição e requinte, deslembrando a melopeia pranteada pela ribeira no seu curso embutido na barroca.

Finalizaram com os sempiternos jazz-mens John Coltrane, Miles Davis, e Dizzy Gillespie. Já o brasido se desvanecia em borralho mortiço e aurora tentava a custo romper e apagar os restos da noite e ainda o Pipas de gázeos esbugalhados e enovelados batia palmas tentando instigar os desvanecidos e esfalfados menestréis que reclamavam o melífluo e íntimo dos seus sacos-cama.

Um a um, quais «zombies», mais mortos do que vivos, com o cortiço dolente e o engenho nas nuvens, recolhemos, ainda os timbres ribombavam latejantes nas têmporas das nossas carolas.

Da obra do autor a editar ``Heróis ou semi-deuses de um tempo já sem tempo´´

Entretanto, pus-me a olhar para o horizonte onde lá longe se alçava majestosa, a Estrela, em fluidos de azul e violeta, embarreirada por montanhas negras, do negro das florestas e calvas pardacentas e melancólicas, onde alastravam extensas courelas de matagal bravio e selvagem. A planura, ligeiramente côncava, fez-me lembrar as searas de centeio que no tempo de antigamente por ali proliferavam, em brandas e indizíveis ondulações de mar benigno. Lembrei-me também dos segadores em linha, eles em ceroulas de estopa, camisa desapertada e lenço branco, obscurecido e enegrecido pelo suor, empapado de restos de espigas, dobrado em três pontas e virado para trás, protegendo o pescoço lavado de transpiração e tisnado quase negro do sol faiscante, elas em saiote vermelho e colete de atacadores, chapelão de palha, modo enérgico e vigoroso, espinha dobrada e o chão a deitar lume, lá iam avançando pouco a pouco, ceifando leivas umas após as outras numa lufa-lufa de guerra. Parecia ainda cheirar os rescaldos baforados dos campos ceifados, e pressentia-se no ar a moinha do grão e o aroma das paveias, da alfavaca, da macela espremida nas mãos rudes dos ceifeiros. Os carros de bois, quedados no meio dos restolhos, com os marruazes amodorrados da canícula, abanando a cauda em todas as direcções, tentando espantar os exércitos de insectos vampíricos, enquanto carregadores, amontoavam as gabelas, atadas em molhos escaldantes no chedeiro do carro, habilmente entrecruzados por entre os afueiros. Atrás, no restolho descampado a coitada da respigueira, chapéu de aba grande dobrada sobre si mesma, repescava as últimas espigas esquecidas, que corriam, corriam ao sopro da brisa, desferindo uma tremulina disfónica, que remoinhava em vórtice. Quando «acordei» já o grupo de banhistas, tagarelando entre eles, subia penosamente o declive e o Amoroso anunciava a boa nova, a feijoada estava pronta e metia-se pelos olhos adentro.

Da obra do autor a editar ``Heróis ou semi-deuses de um tempo já sem tempo´´

No mundo sou algo que vai nadando... nadando... nadando mar em fora, sem atender aos pontos cardeais, com a mira dirigida ao areal, qualquer areal,onde possa descansar a carcaça.


`` Por dá cá aquela palha´´ revertê-mo-nos com tal enfatuamento, apesar das certezas da vida serem mais efémeras que o pó nas asas das borboletas,quando lhe deitamos a mão.


Quando os reverberos da nossa existência, jogam à cabra-cega com a morte... ninguém tem tão temperada a viola da fortuna ,que um dia não se lhe parta uma corda.